Há uma grande probabilidade de conhecer pelo menos uma pessoa que, nos últimos tempos, decidiu abandonar as redes sociais. Simplesmente apagou o seu perfil de Facebook, excluiu a aplicação Instagram do telemóvel e jurou a todos os santos que nunca faria uma conta no Twitter - e, Deus o livre, no TikTok.
Sabemos disso porque tal movimento de boicote ao entretenimento do scroll, de acordo com quem tem estudado a temática, já tem sido tão normalizado que é mais provável que os seus amigos mais próximos resolvam abandonar temporariamente alguma rede social nos próximos anos que se divorciarem (ou, até mesmo, se casarem).
Esta urgência numa vida menos conectada reflete-se num comportamento manifesto de compromisso com a liberdade, mas hoje já ganhou dimensão de tendência e tem mudado a nossa relação com a publicidade.
A Independence Insights desta semana faz um mergulho neste universo em expansão.
Boicote ou nem tanto?
Para compreendermos uma mudança como esta (e tendências em geral), um dos primeiros e mais importantes passos é ouvir genuinamente o que as pessoas têm a dizer. E, nesse caso, não há nada mais interessante do que a crescente opinião daqueles que já nasceram dentro da lógica online - os jovens. Vejamos:
Pesquisas feitas em 2019 pelas empresas Edison Research e Triton Digital mostraram que a utilização geral das redes sociais entre americanos dos 12 aos 34 anos em várias plataformas estabilizou ou diminui, enquanto outro estudo recente da Global Web Index também sugere que o tempo dispendido, tando dos millenials como da Gen Z, em várias plataformas sociais estavam baixos, diminuindo ou não aumentando tanto como no passado.
Este artigo da Harvard Business Review reflete que, depois de anos a construirmos identidades online e acumulando montes de "amigos" digitais, estas gerações querem ser “eles mesmos” e fazer amigos de verdade com base em interesses comuns - além de procurarem mais privacidade, segurança e um descanso das multidões de pessoas que orbitam nas plataformas sociais.
Se pudéssemos escolher uma palavra para definir a atual perceção do público sobre as redes sociais seria, com certeza, sufoco. E quem acomapanha de perto tais mudanças de comportamento do seu público-alvo é a Lush, uma gigante britânica do mercado de cosméticos e autocuidado. Recentemente, a empresa anunciou a decisão de abandonar a comunicação nas suas principais redes - Instagram, Facebook, TikTok e Snapchat.
A novidade, apesar de apanhar alguns de surpresa, não surpreende de forma negativa os seus consumidores - afinal, o discurso que acompanha o boicote às redes sociais vem alinhado com aquilo que as novas gerações querem (e realmente precisam) ouvir: de acordo com a Lush, a mudança foi motivada principalmente pelos impactos negativos dos algoritmos na saúde mental dos seus consumidores. Nas palavras de Jack Constantine, diretor geral da empresa:
“As redes sociais não foram projetadas para cuidar da saúde das pessoas, mas os nossos produtos são. É contraintuitivo usarmos plataformas que nos mantêm hipertensos e ansiosos”.
No entanto, a empresa está a planear outras iniciativas de marketing digital, como aumentar sua presença no Youtube, usar o Twitter para relacionamento com o cliente, produzir newsletters para promover as suas campanhas e apostar no Pinterest para inspirar a sua audiência.
Palavras levam-nas o vento
Assim como a Lush, outras empresas também estão atentas ao crescimento da tendência anti social media. É o caso da Patagonia, uma das grandes marcas que participa ativamente da campanha #StopHateforProfit contra o Facebook, agora Meta, desde Junho de 2020. A iniciativa, que pretende chamar à atenção para a falta de controlo (e, consequentemente, falta de responsabilidade) sobre a disseminação de discursos de ódio, racismo e fake news nas suas plataformas, trazendo uma nova camada ao movimento anti social media, a do ativismo.
Para marcas que bebem diretamente do DNA das novas gerações, como é o caso da Patagonia, discursos bonitos não têm grande valor quando sozinhos. Mais do que nunca precisam de ser acompanhados de um posicionamento sólido e de ações verdadeiramente efetivas. A nova geração de consumidores quer ver a balança entre lucro e propósito sendo levada a sério em prol de um mundo melhor (e não apenas de um ano de vendas melhor). Precisa de existir posicionamento, é claro, mas também precisa de ter comportamento e fiscalização. E disso, Ryan Gellert, CEO da Patagonia, sabe bem:
"A Patagonia interrompeu toda a publicidade paga nas plataformas do Facebook em junho de 2020 por espalharem discurso de ódio e desinformação sobre a mudança climática na nossa democracia. Continuamos a apoiar este boicote 16 meses depois. Acreditamos que o Facebook tem a responsabilidade de garantir que os seus produtos não causem danos e, até que o façam, a Patagonia continuará a reter publicidade. Encorajamos outras empresas a juntarem-se a nós para impulsionar o Facebook a priorizar as pessoas e o planeta em detrimento do lucro”.
No passado, a marca também se mostrou atenta à temática e deu um passo à frente no que diz respeito ao seu compromisso: depois de atingir o seu recorde de vendas numa Black Friday, a Patagonia doou 100% do seu valor angariado para organizações que lutam em prol do ambiente. Em números, a doação foi de aproximadamente 10 milhões de dólares.
Estas são, com certeza, razões pela qual a Patagonia é considerada uma das poucas marcas favoritas da Gen Z, a geração que é conhecida pela reflexão social e pelo gosto por mudanças significativas. Este artigo da The Drum explica o conceito por trás da “Gen Z’s bullshit detector” e a sua necessidade crescente por um marketing de valor.
Mas há também quem pense (abertamente) nos louros.
Outra empresa que se uniu ao movimento anti social media foi a Bottega Veneta, uma das marcas de luxo mais queridas entre os apreciadores da high fashion. No início do ano, a empresa excluiu os seus perfis de Instagram, Facebook e Twitter sem grandes explicações, deixando muitos curiosos sobre o motivo do boicote. A decisão contraria o mercado, que indica um crescimento previsto de até 30% em participação da marca na venda de bens pessoais de luxo até 2025 - e contraria também o que outras empresas do ramo estão a fazer atualmente, priorizando a sua comunicação nas redes sociais.
Porém, para Pamela Danziger, existe uma razão na aparente falta de interesse da marca pelas redes sociais: nos últimos três anos consecutivos, uma pesquisa feita pela jornalista da Forbes mostra que, na visão das marcas, as redes sociais apresentam um desempenho inferior às expectativas das empresas de luxo.
Segundo ela,
“as redes sociais prometem demais, mas cumprem promessas de forma insuficiente”.
O estudo mostra que apenas 30% das empresas de luxo que usam o Instagram disseram que a plataforma é “muito eficaz”. Os que usam Facebook, apenas 16%. O Pinterest e o YouTube têm 9% e 8%, respetivamente, e as próprias classificações de eficácia do Twitter, Snapchat, WeChat e TikTok são “pequenas demais para serem medidas”. No geral, tais plataformas tiveram avaliações baixas nos últimos três anos dentro do mercado high fashion.
Onde há ódio pode também existir amor?
Podemos estabelecer aqui que é de comum acordo que o mundo não funciona numa lógica maniqueísta - ou seja: não existe apenas o bom e o mau, mas sim as nuances dessas interações. E isso não seria diferente nesta história de amor e ódio em relação às redes sociais.
Este artigo da Forbes mostra que o relatório da Liga Anti-Difamação (ADL), um dos vários grupos de direitos civis envolvidos no lançamento da campanha #StopHateForProfit em junho passado, analisou o sucesso do boicote na realização dos seus objetivos um ano depois do movimento. Depois das pressões sofridas, o Facebook fez duas mudanças “significativas” em resposta às exigências dos grupos: contratar líderes dos direitos civis para avaliar a discriminação e o preconceito e reprimir o extremismo em grupos públicos e privados. A pesquisa, porém, mostra que tais esforços, na verdade, não foram tão eficientes a longo prazo dentro da plataforma - mas abriram espaço para que o público olhasse com mais cuidado para outras redes sociais que, efetivamente, conseguiram contornar tais problemas e construir espaços mais seguros para as comunidades (como é o caso do TikTok, Twitter e Reddit).
Podemos, inclusive, retomar o exemplo da Lush. Na prática, a decisão da marca configura um boicote às redes sociais? Uma vez que a marca não abandonou, de facto, a sua comunicação digital nas redes como o YouTube e o Twitter. Talvez o correto, na verdade, seja boicotarmos a palavra “boicote” – já que, no final das contas, ela não constrói nada. Parece que, na verdade, a Lush só reformulou a sua relação com as redes sociais à medida que o seu público também o faz.
Embora existam muitos lados e opiniões divergentes dentro desta temática, a perceção que fica é comum: as pessoas estão a distanciar-se da lógica vigente das redes sociais (que não é mais um local tão agradável assim - seja para quem consome, seja para quem vende) - e, para reinventar aquilo que incomoda, é preciso ação. As plataformas e as marcas que percebem bem isto já agiram, agora é a hora de as acompanhar.