Nelson Pinheiro Gomes é Professor Auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo a seu cargo a Direção do Programa em Cultura e Comunicação e a co-Direção do Doutoramento em Estudos de Cultura. A par da atividade docente, tem desenvolvido investigação na área da Gestão Estratégica da Cultura, especificamente ao nível dos Estudos de Tendências e do Branding, coordenando o Laboratório em Gestão de Tendências e da Cultura. Possui um Doutoramento e um Pós-doutoramento na Especialidade de Cultura e Comunicação e é investigador do Centro de Estudos da Anglísticos da Universidade de Lisboa (CEAUL).
Talvez nunca tenha pensando sobre isto, mas estamos inseridos num mundo ditado por tendências. Há quem tente fugir ou renegar essa realidade, mas é incrivelmente difícil sermos seres sociais sem que uma ou outra forma de viver ditada pela coletividade nos abrace - a não ser que queira entrar de vez na famosa caverna do Platão (e sinto dizer-lhe: se outra pessoa decidir fazer o mesmo, talvez aí já seja o início de uma nova tendência).
Para as marcas, esse fato é um verdadeiro playground. É nestas ondas de tendências que a publicidade consegue estudar (e, muitas vezes, ditar) o comportamento do seu público consumidor.
Na nossa primeira Independence POV, convidámos o professor Nelson Pinheiro, diretor do Programa em Cultura e Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para falar um pouco sobre o assunto e expandir os seus horizontes - assim como nos fez a nós.
Qual é a importância, para as marcas, do conhecimento sobre os estudos de tendências?
Nelson Pinheiro: Primeiro é importante mobilizar esforços para as instituições conhecerem a realidade da análise e gestão de tendências e a competência especializada de alto nível que existe neste domínio em Portugal. Estamos a formar licenciados, mestres e doutores capazes de analisar tendências e de transformar este conhecimento em orientações estratégicas. Importa aplicar este conhecimento no nosso país como um diferencial e como uma mais-valia com grande potencial.
Os Estudos de Tendências permitem compreender mudanças nas mentalidades, nos comportamentos e nos interesses dos consumidores e públicos. Esta informação pode apoiar a tomada de decisões a um nível estratégico da oferta, da comunicação, dos processos de produção, entre outros.
Quando falamos em “tendências”, existe uma associação quase automática com o mercado da moda. Os outros mercados também podem se beneficiar da análise de tendências? De que forma?
NP: Vai depender sempre do conceito operacional. Podemos definir tendências na sua relação com o sector da moda. Da mesma forma que temos diferentes tipologias de tendências que revelam dinâmicas e realidades com naturezas, impactos e sistemas diferentes – da economia à tecnologia. Contudo, se não estivermos a considerar um nível sectorial ou até micro, então a profundidade dos grandes movimentos socioculturais aponta caminhos que podem ser aplicados em qualquer tipo de atividade.
Quais são as principais diferenças entre as tendências de consumo e as tendências socioculturais?
NP: As tendências socioculturais são uma complexa articulação entre mentalidades emergentes, como ideias estruturadas, e as suas manifestações no campo do visível: em artefactos, representações e práticas. Elas afetam todos os aspetos do nosso quotidiano. Ou seja, o nosso próprio dia-a-dia leva a contactos permanentes com pessoas e coisas e isso provoca, a todo o momento, pequenas alterações no imaginário que vão sendo trocadas entre indivíduos. Muitas vezes sem percebermos, estamos a contribuir para a disseminação de micro mudanças nas ideias do momento. Estas mudanças vão depois traduzir-se em novos objetos, práticas, formas de olhar o mundo e de conceber. As tendências de consumo são uma tipologia específica de micro tendências socioculturais. Também partem das mentalidades e depois traduzem-se em objetos específicos e em padrões de consumo associados aos mesmos. A diferença é que aqui o foco está em todas as dinâmicas de interesse e de relação com determinados objetos e o seu consumo.
As tendências socioculturais são construções bastante abstratas. De que forma uma marca pode utilizar as tendências para gerar valor real para a marca? (Ou como as tendências socioculturais podem ser traduzidas em ação para uma marca?)
NP: Este é o grande desafio. Nós queremos compreender os padrões e as mentalidades – e estas últimas estão no plano do invisível e não podem ser analisadas diretamente. Identificar padrões, respostas semelhantes que têm o mesmo estímulo por trás da sua natureza, em práticas e objetos é fácil. Estes padrões mostram caminhos e mostram o emergente e aquilo que pode caminhar para um mainstream. Mas nós queremos compreender o que motiva todas estas coisas emergentes. Que ideias estão a materializar-se na mente coletiva, muitas vezes inconsciente, e que podem indicar novas direções e novos interesses.
Os primeiros a compreender essas mudanças nas mentalidades podem traduzir essa informação em novas ações e ser os primeiros a responder a uma necessidade emergente dos consumidores. Isto pode implicar certas alterações na identidade da marca ou a necessidade de rever a oferta.
Que tipos de questões, desafios ou problemas os estudos de tendências podem ajudar a solucionar?
NP: Depende da pergunta. A análise de tendências aponta para o que está a emergir e, nesse sentido, mesmo que apenas num curto prazo, podemos desenhar caminhos possíveis com base na estabilidade passada de uma tendência e nos sinais mais recentes que mostram a sua natureza mais atual. Assim, podemos preparar estratégias para um prazo curto ou para um médio prazo. Creio que ainda não temos uma noção real de todo o potencial de aplicação da análise e gestão de tendências.
No contexto empresarial, pode apoiar práticas de estudo de mercado no contexto do consumidor e do mercado; informar o desenvolvimento de novos produtos e serviços, sublinhando inovações recentes e os germes criativos e mentalidades por trás dos mesmos; identificar novos públicos e dinâmicas de grupo que podem oferecer um novo plano de ação social para as marcas; apoiar o desenvolvimento da comunicação estratégica apontando elementos simbólicos e mensagens para a construção da narrativa. Estes são apenas alguns exemplos, mas existem outros e todos os meses há colegas que experimentam com novas formas de implementar os resultados das análises. Para além disto, também pode apoiar o desenvolvimento de políticas locais, regionais ou até (inter)nacionais, bem como promover uma maior consciência para desafios sociais e orientar agentes socioculturais em projetos com um impacto positivo nas diferentes comunidades.